quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Encomenda

Tem um texto incrivel da Martha Medeiros ( que inclusive já postei aqui no blog ) , que fala sobre as encomendas do amor , ou seja , as vezes se idealiza tanto uma pessoa e o "carteiro" do amor lhe entrega uma totalmente oposta ao ser idealizado , não permitindo reclamações ou devoluções , sem ao menos um manual e diz para você : "ame-o" .

É mais ou menos isso que aconteceu comigo , com a gente . Eu nunca te esperei "guri" , eu te queria tão diferente , não sonhava com a tua aparência , mas desenhava nos meus cadernos traços da tua personalidade . Eu que sempre falava no charme dos homens mais velhos , acabei tendo que enfrentar as mesmas minhas crises infantis . Eu que era tão louca pelos tatuados e tu me apareceu com esses teus preconceitos . Eu que sempre tive quedinhas por surfistas , fui presenteada com alguém frenético por carros. Ou seja , a vida sempre te surpreende . Você pedi o vice , ela manda o versa. Faz você mudar seus planos e frustra suas expectativas sem a menor cerimônia , como alguém que não tem paciência para os detalhes. Eaí , meu bem , resolva-se com a vida , com Deus , com o destino , ou com o que você achar mais coerente .

Quando o tal carteiro bateu aqui em casa , eu quase disse: "Tá havendo algum engano moço , não foi isso que eu pedi por 18 natais ao Papai Noel" . Mas , eu não conhecia as regras , nunca havia jogado nada parecido , e acabei acreditando , ou melhor apostando e topei o desafio .

No inicio era tudo complicado . Afinal , aquele guri não gostava de Jack Jhonson , nem conhecia Caio Fernando Abreu , me chamava de antiguada e para completar a pataguada , usava roupas largas . Tinhamos ( e ainda temos ) visões de mundo totalmente diferentes . Ele não queria nada com a faculdade , pensava em cachorros ao invés de filhos , e de 10 palavras dele , 6 eram sipá . De tarde , ele via um programinha idiota com sorvete e coca-cola , mas o jeito que ele ria e me abraçava era tão lindo que eu nem me importava . Sem falar das cuecas todas da mesma cor , da mania de banho , dos mimos da mãe por ser filho único , das crises de abstinência sem o video game . Depois de alguns meses eu tive a visão parcial do todo , pude te analisar friamente nos minimos detalhes e cantinhos , e por uma força estranha que chamam amor ( ou qualquer nome que se queira dar ) , eu fiquei , permaneci , continue , me adaptei à esse presente quase de grego que me entregaram .

Com os anos , as coisas ficaram mais sensatas , os ponteiros foram se ajustando e a rotina finalmente nos encarou , frente a frente . Existe todo um lado gostoso da tal intimidade , existe todo um lado critico da tal intimidade . Hoje em dia há um ciúme dosado , uma rotina dosada , brigas dosadas , não há mais espaço para as novelas mexicanas , os limites já estão bem estabelecidos . Contudo , ou melhor , contigo aprendi que ninguém chega em cavalo branco , que o amor da tua vida , usa havaianas e masca chiclete , têm o cabelo bagunçado e passa a tarde bancando o mecânico , fala horas do próprio carro e de todas as encrementações e exibicionismos possíveis , tem a boca mais carnuda e linda desse mundo e te mostra como o barulho do mar no inverno pode ser muito mais perfeito .

A minha encomenda me veio cheia de defeitos ,me apareceu de uma forma inusitada em uma terça - feira nublada, e na verdade logo de cara nem o reconheci como o tal "presente" . Hoje , nem penso em devoluções , conserto eu mesma em casa os defeitos de fábrica e o mais gostoso é que não veio com prazo de validade ! As encomendas e surpresas , estão por aí , sentadinhas em restaurantes , correndo no parque , na classe ao lado , em uma lista de contatos do msn , basta você reconhecer ...

5 comentários:

  1. Adorei! Me identifico muito com isso...recebi meu "presente grego" faz um tempo, e a vida é isso. Você pede bala e ganha um saco de milho pra fazer uma pipoca, mas aí se adapta e vê que a graça da vida tá nisso...no que não pedimos, sequer sabemos que desejamos e por isso quando vem, tem um sabor inexplicável.

    Bjo pra ti!

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  2. Pois é, Letícia... quase sempre 'aquilo' que idealizamos não acontecerá exatamente igual. As vezes, bem bem diferente. E melhor! Muito melhor!

    PS: Cadê as "poás"?! Temos agora um chão de estrelas?
    BjO*

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  3. Martha Medeiros é demais.
    Sempre escrevendo coisas maravilhosas, e extremamente verdadeiras...

    Beijos!

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  4. Oi, Letícia... tudo bom?
    Muuito bom o seu blog, suas idéias, seu bom gosto e sensibilidade. Parabéns pelo trabalho.
    Estou te seguindo.
    Beijos no coração,
    EDU (http://edurjedu.blogspot.com)

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  5. Muito bem! Realmente essa história de perfeição estereotipada tu deixa para os filmes. O ideal é a perfeição que se encaixa na nossa adequação.

    Ótimo texto, gostei de ler o teu relato e a sensibilidade extraída dele. Beijo ;)

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